Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

"Um livro de força": artigo de José Octávio sobre "O Ano Que Ficou"

Em Debate no dia 1º de setembro no CEJUS-Centro de Estudos Jurídicos e Sociais José Fernandes de Andrade, em João Pessoa-PB, sobre o livro "O Ano Que Ficou - 1968 Memórias Afetivas", o historiador José Octávio de Arruda Mello iniciou sua brilhante intervenção com a leitura de um sólido texto, cuja primeira metade trata de reconstituir o processo político que desembocou no golpe militar de 1964. Só na segunda metade dessa abordagem histórica, José Octávio foca diretamente o livro referido, e assim o movimento estudantil de 1968. Publicamos aqui esta parte. Na íntegra, o texto deverá ser publicado em revistas especializadas. O excelente artigo é acompanhado de extensa bibliografia que muito o corrobora, mas que aqui também omitimos.


DINÂMICA ESTUDANTIL E ANÁLISE CRÍTICA EM UM LIVRO DE FORÇA

José Octávio de ARRUDA MELLO


1.4. O problema da historiografia estudantil – É aí que nos deparamos com o tema do movimento estudantil presente a esse livro de força que é O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas, organizado por Washington Rocha e Telma Dias Fernandes.
Não é verdade, porém, que, só agora, repito, com a sólida construção de Washington e Telma, a temática estudantil se haja incorporado à historiografia paraibana.
Além de mim, com três ou quatro livros, e Waldir Porfírio, com outros tantos, diversos autores como Cláudio Lopes Rodrigues, Gilbergues Santos Soares, Maria José Teixeira L. Gomes, Rômulo Araújo Lima, Monique Citadino, Gilvan de Brito e Ruy Leitão atentaram para a presença estudantil, antes e depois de 64.
Essa participação foi conceituada pelo cientista político Décio Saez para quem os estudantes agiam como força de substituição, o que ajuda a compreender 1968. Como os partidos políticos estivessem amordaçados, restou à oposição manifestar-se através do segmento estudantil e cultural. Esses, aliás, em sintonia com o vento de maio que, a partir da França, soprava na Europa.
Falei acima que não foram poucos os escritores paraibanos que se debruçaram sobre a mobilização estudantil. Qual, porém, a diferença desses para os dezessete responsáveis por O Ano Que Ficou? Simplesmente a seguinte: enquanto os componentes da nova historiografia consideram o movimento estudantil como parcela de contexto mais amplo, de implicações político-militares, econômico-sociais, religiosas, internacionais, jornalísticas e culturais, os responsáveis por O Ano Que Ficou optaram por outro viés.
Seu enfoque é quase exclusivamente estudantil; o que significa visão, além de corporativa, frutífera e original. Isso porque a perspectiva setorial dos dezessete autores do livro que analiso é tão manifesto que, onde o religioso e o cultural despontam, é como projeção do colegial e universitário. Noutras palavras, o foco é sempre a dinâmica estudantil, em si mesma, impulsionada pelos Liceu e Colégio Estadual do Roger, com apoio dos rapazes e moças da Faculdade de Filosofia da UFPB.
1.5. Uma experiência anarquista? Constante em O Ano Que Ficou é a comparação com com 1968, o Ano que não Terminou (1968), de Zuenir Ventura.
Cabe, porém, uma diferença. Enquanto Zuenir, atento para o caso Márcio Moreira Alves e Guerra do Vietnam que, em 1968, dominaram a mídia, sustenta a tese de que os jovens que se batiam pelas mudanças políticas e econômicas do capitalismo terminaram alcançando modificações de comportamento existencial, O Ano Que Ficou sinaliza noutra direção.
Esta consiste em que o movimento estudantil de 68 abriu caminho para a luta armada. Tal se torna claríssimo no comportamento de Emilson Ribeiro – tendente ao marighelianismo -, José Calistrato, liderando coluna guerrilheira no Ceará, e José Ronald Farias, como partidário da ocupação de prédios públicos em João Pessoa. Bem como Agamenon Travassos Sarinho que descambou para o PCdoB, com agrupamento responsável pela guerrilha do Araguaia.
Em nosso modo de ver, tudo se verificou porque, substancialmente, o movimento estudantil paraibano de 68, embora assim rotulado, não era marxista, e como tal comunista, mas anarquista, o que se constata na filiação ideológica dos autores de O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas. Nenhum deles pertencia ao PCB, o velho ‘pecezão”, que, aliás, desenganado da experiência de 35, desautorizava a solução militarista.
Dentro desse quadro, o movimento estudantil paraibano de 68, mais próximo à Comuna de Paris de de 1871 que ao leninismo bolchevique de 1917, recaiu no proudhonismo, e se não no blanquismo, o que explica a orientação das entidades que o empalmaram – AP, MR-8, PCBR, POLOP, PCdoB, POC e assemelhados, como embrião das que vieram depois – ALN, VPR, VAR-Palmares, PCR, COLINA,MOLIPO e Grupo Primavera. Muitos desses últimos constituindo apenas meros Grupos Táticos Armados.
Eis porque, embora sem aderir à luta armada, da qual somente se aproximou no curioso acampamento da praia da Penha, encurralado pela maré, o movimento estudantil de 68 na Paraíba simbolizou-se no porralouquismo (a expressão é dele mesmo) de Washington Rocha que, sem assistir a uma só aula, estava na melhor tradição ácrata, contra tudo e todos – escola, família, professores, religião, política convencional. Mas sempre revelando energia digna de nota.
1.6. Isolamento e luta armada – Nessa singularidade radicalizante do movimento estudantil de 68, sua força e também sua fraqueza.
Permeados de extremismo que dispensava os potenciais aliados como os que se opunham à Guerra do Vietnam e defendiam o mandato de Márcio Moreira Alves, os colegiais e universitários paraibanos de 1968 – sem embargo de sua audaciosa bravura – isolaram-se, o que explica o rápido refluxo da dinâmica contestatória, a partir de outubro 68.
Destarte, quando, em dezembro, sobreveio o AI/5, o campo estava livre para ele.
Ainda assim, a efervescência estudantil de 68, que O Ano Que Ficou tão bem ressuscita, deve ser credora de nossa admiração. Mesmo os que empunharam armas, ainda que politicamente equivocados, não devem ser execrados. Impõe-se o respeito, aos que procederam por idealismo, sacrificando, não raro, as próprias vidas.
Também não creio que o movimento estudantil deva ser malsinado por se revelar favorável a outra ditadura – a do proletariado, de feição leninista. Entendo que, ao contrário dos ativistas, postados na cúpula, a grande massa revelava-se pelas liberdades individuais, oposta à rigidez da ditadura castrense que vigorava no país.
Em O Ano Que Ficou tal se evidencia nas felizes colocações de Guy Joseph, “contrário a qualquer ditadura, fosse de direita ou de esquerda”, Silvino Espínola, cujo individualismo o levava a discordar das decisões coletivas, e, principalmente, José Ronald Farias. Para este – sigamos suas palavras:
“Poucos tinham certeza de que o caminho certo era o da luta armada. Agrande divisão era entre leninistas, estalinistas e trotskistas, de um lado, e social-democratas, que defendiam um Estado de bem estar social democrático, em lugar da ditadura do proletariado, de outro”.
1.7. Algumas passagens e colocações finais – Fora daí, algumas passagens de O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas, são dignas de registro.
Entre essas, a da escritora Maria José Limeira, arrebatando Washington Rocha das garras da polícia, e a de Everaldo Júnior, desafiando o delegado Emílio Romano, a quem identificara como homem de confiança de Felinto Muller em 1937.
Já no plano metodológico, chamaram-me atenção os depoimentos de José Nilton e Eldson Ferreira
Nilton que, como folclorista, sentiu na pele a intolerância da direção da Faculdade de Filosofia, oferece a suas palavras a feição do cotidiano da nova História para situar o movimento estudantil “em clima de festa”.
Por seu turno, Eldson, seguindo os passos do sociólogo francês Jean Blondel, recusa-se a dar nome aos personagens de que se ocupa. Em relação a seu dramático depoimento há apenas uma observação a fazer.
Em programa de emissora local, por sinal fechada pouco depois, o “radialista famoso” a que se refere, não o tachou de comunista, mesmo porque o aludido programa, simpatizante do movimento estudantil, não recorria a essa linguagem. O que se publicou foi a vinculação d Eldson à AP (Ação Popular), o que não o desmerecia e, passados tantos anos, ainda pode ser contestado.








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