Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre a carta de Karl Marx a Pavel Annenkov: a metafísica da história, a mitologia do paraíso terrestre e a práxis da escravidão

Como prometi, vou opinar sobre a carta de Karl Marx a Pavel Annenkov, onde o pai do comunismo moderno defende e enaltece a escravidão. De início, chamo atenção para este judicioso comentário de Rafael Freire ao post em que publiquei o polêmico trecho:

Caro Rocha, não há na fala de Marx qualquer enaltecimento à escravidão negra. O que ele faz é se colocar desde um ponto de vista capitalista (particularmente dos interesses dos EUA), daí porque afirma que a escravidão não só é boa como indispensável. É importante lembrar que Marx analisou criticamente a sociedade capitalista como nenhuma outra pessoa, e jamais defenderia a escravidão indireta (mecanismo salarial) ou a escravidão direta (aprisionamento de uma raça/povo sobre outra(o). No mais, ele só provou com esta pequena carta o quanto seu pensamento era profundamente dialético, pois, de fato, tudo tem seu lado bom e seu lado ruim, inclusive a escravidão (DESDE UM PONTO DE VISTA CAPITALISTA, COMO É O CASO NESTA CARTA).

RAFAEL FREIRE"

Com efeito, em princípio, Marx não foi  um apologista da escravidão, pelo contrário, pugnou pela emancipação completa da humanidade através da revolução proletária. Todavia, na carta referida, no trecho referido, Karl Marx defende e enaltece a escravidão negra: o "lado bom" desta escravidão. Que seja de um ponto de vista capitalista, é certo, sendo este, precisamente, o ponto de vista de Marx: que o capitalismo deveria desenvolver ao máximo suas forças produtivas até um ponto de maturação que levasse essas mesmas forças à necessidade de destruir as relações de produção capitalistas para poder continuar a crescer. No ensaio "Contra a Teoria do Capitalismo de Estado - Resposta ao Camarada Cliff" (www.tedgrant.org), o marxista/trotskista sul-africano Ted Grant, tal como Rafael Freire, justifica a carta de Marx por esse ponto de vista. Vejamos:


"Marx explicou que a justificação histórica do capitalismo – apesar dos horrores da revolução industrial, da escravidão dos negros africanos, do trabalho infantil nas fábricas, das guerras de conquista através do planeta – se baseava no fato de que era uma etapa necessária ao desenvolvimento das forças produtivas. Marx demonstrou que, sem a escravidão – não apenas a antiga escravidão, mas também a escravidão na primeira época de desenvolvimento do capitalismo –, o desenvolvimento moderno da produção teria sido impossível. Sem estas condições nunca poderiam ter sido preparadas as bases materiais para o comunismo". 


No "Manifesto Comunista", Marx e Engels pintam com cores fortes a ferocidade do avanço capitalista pelo mundo, destruindo antigas relações de produção e, por consequência, antigas e caras relações sociais: "Tudo que era sólido se desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado". Mas justificam tal ferocidade pela imperiosa necessidade da evolução/revolução econômica. O que Marx diz na carta a Annenkov, sem rebuços, é que a escravidão negra era complemento da economia capitalista e, assim, necessária ao desenvolvimento que levaria à revolução proletária.
Para os marxistas, o caminhar inexorável da história, que traz em si um sentido (até então oculto, mas desvendado por Marx), movida necessariamente pelos fatores econômicos em uma direção previsível, é um bom e verdadeiro postulado científico. Na verdade, é apenas uma ruim metafísica. Dessa metafísica ruim derivou o mito do paraíso terrestre, que acalentou as esperanças de muitos milhões de sofredores.
Essa metafísica histórico-econômica e seu mito sedutor estão na raiz de desgraças incomensuráveis que o marxismo, através do bolchevismo (marxismo-leninismo), trouxe ao mundo. Pela crença na inevitabilidade histórica do comunismo, o paraíso na terra, justificaram-se todas as atrocidades. Sobre essa metafísica  e esse mito ergueu-se a repugnante "moral revolucionária" do bolchevismo, que pode ser assim resumida: tudo que favorece a revolução proletária se justifica pela grandiosidade da finalidade dessa revolução.

Deve-se dizer, de passagem, que a mitologia marxista do paraíso terrestre repete o percurso teleológico rumo ao paraíso celeste exposto por Santo Agostinho em "A Cidade de Deus".
Na via das necessidades históricas, seguiram-se as exigências políticas que haveriam de corresponder a essas necessidades: Marx e Engels postularam a "ditadura revolucionária do proletariado". Eram Marx e Engels apologistas de ditaduras? Em princípio, não. Entendiam que tal ditadura seria apenas uma etapa necessária no caminho da emancipação. Essa postulação da "ditadura do proletariado" não chega a ser propriamente uma metafísica, é mesmo uma tremenda estupidez. Desde a primeira revolução marxista, na Rússia, comandada pelos bolchevistas Lênin e Trotski, a "ditadura do proletariado" se exerceu como ditadura sobre o proletariado. Isso foi denunciado de pronto por dois eminentes marxistas: Rosa de Luxemburgo e Karl Kautsky.
Certamente, Rosa e Kautsky, marxistas fervorosos, consideravam que os bolchevistas praticavam aquelas violência e opressão estarrecedoras sobre o proletariado ao arrepio da doutrina do mestre. Porém, àquela revolução marxista vitoriosa seguiram-se várias outras sem que nenhuma deixasse de cometer violências estarrecedoras e de impor sobre o proletariado (e a população em geral) uma feroz e permanente ditadura, sem transição para nenhum paraíso, findas apenas através de insurreição popular.

É preciso que se aprenda com a história: a metafísica marxista da história, em todos os países em que os revolucionários marxistas empolgaram o poder, levou à práxis (prática) da escravidão ou da servidão.
Entendo que o marxismo, apesar das desgraças que trouxe ao mundo, é uma doutrina interessante, com alguma coisa aproveitável, desde que destituída das suas pretensões totalizantes. Como doutrina para construção de um novo mundo e de um "novo homem", o marxismo morreu, faz tempo. A autópsia foi feita pelo filósofo Iremar Bronzeado, em um livro que trarei à baila para continuar este debate. Além de Iremar, trarei à arena o próprio Marx, numa versão contrária ao Marx da carta a Annenkov. Vejam: em novembro de 1864, 18 anos depois da carta em que defende e enaltece a escravidão negra, Marx escreveu uma belíssima carta ao presidente Abraham Lincoln saudando a vitória da reeleição e a luta do presidente americano contra a escravidão negra. Transcrevo a vigorosa abertura da esplêndida carta (www.marxists.org):


"Senhor,
Felicitamos o povo Americano pela sua reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura.
Desde o começo da titânica contenda americana, os operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que desencadeou a dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões imensas seria desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do capataz de escravos?".


Continuarei em um próximo post. Espero comentários. Pretendo o debate. Sem debate, essa conversa não tem graça.

Um comentário:

  1. Pode uma pessoa ser acusada de culpa pela distorções de suas palavras ou do uso de seu nome? Pode Jesus ser acusado da interpretação autofavorecida de Constantino? Pode Chico Xavier ser acusado de algum mau uso de seus livros? Pode Marx ser acusado pela visão revolucionária de Lênin? Pode Lênin ser acusado da manipulação de Stalin? Claro que não é bem assim. PRIMEIRO: traga as incorporações de Marx e Proudon à sua mesa branca ou mesa negra para debaterem e esclarecerem. Ficou claro que a tal carta ao liberal Annekov era mais uma análise psicológica e filosófica de Proudon. Traga também Freud à mesa, ou melhor divã. Aliás, libere Marx e Proudon, porque só seria realmente justo discutir com eles se lêssemos os livros Filosofia da Miséria e a Miséria da Filosofia. Deixe Freud, mas depois de sua sessão de terapia eu vou querer dialogar com ele bastante. Pobre Rafael Freire, você disse que queria opiniões para Discutir A Carta, mas, assim como eu, não conseguiu conter o impulso prosaico prolixo e fugir da carta para falar de outras questões bem fora do recorte da carta. Padeço do mesmo mal. Não sei se é doença, incompetência, ou malícia de distorcer ou bagunçar os contextos para induzir o leitor a um sofisma, ou na melhor das hipóteses a uma desordem do Samba Do Crioulo Doido de Stanislau Ponte Preta. Espero que isso te inspire a não conter a verborragia e fale, assim como eu, sem ser conseqüênte nas palavras, nas filosofias, e na perturbação de vivos e mortos. Falou de Marx, mas esqueceu-se de aprofundar no prodigioso filósofo Proudon quando escreveu seu livro e que logo foi "censurado" pelo experiente filósofo Marx quando escreveu-lhe tal resposta ser tréplica. Por favor mande outra postagem proudoniana pra gente ler. Seria justiça um espírita fazer a tréplica que faltou pra contradizer um materialista. Boa sessão! Muito obrigado!

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